quarta-feira, 8 de outubro de 2008

Quem pode se esconde atrás de sua subjetividade?

Por Janine Koneski de Abreu


Quem pode se esconde atrás de sua subjetividade?



Ao escrever um texto crítico, mesmo sem revelar seu nome, a pessoa que o faz se mostra. Não há possibilidade do anonimato de sua subjetividade. Preferências,entendimentos, gostos, desgostos, paixões, ódios, histórias de vida... sempre estão espreitando à sombra de quem escreve. É totalmente plausível enxergar tendências ideológicas quando alguém se põe a fazer a análise crítica de algo. Na realidade está tudo ali, mas não o nome... Por que o anonimato, se é possível ver o crítico em uma análise que expõe suas entranhas? Com um pouco de paciência e alguma perseverança é possível ver a verdadeira identidade de Aline Valim se delinear pelos traços de suas críticas. Além de reconhecê-la através de suas tendências em suas análises, também é possível identificar suas falas, algumas delas provavelmente ditas altas e em bom tom.
Pois, crítica de teatro subjetiva, tal qual está exposta na imprensa brasileira na atualidade a partir da década de 1940, e que tem como respeitável mestre Décio de Almeida Prado, revela a face de quem a escreve. Ao encarar o objeto artístico, o público é impregnado de sensações e reage aos estímulos recebidos, da mesma forma o faz o crítico em uma clara relação impressionista com a obra. A elaboração que cada espectador fará do que viu em cena se relaciona com suas possibilidades de compreensão, nível cultural, meio em que vive, entre outras variantes de sua subjetividade. E, embora o crítico seja alguém especializado no assunto, ele se utiliza do mesmo instrumento para olhar a expressão artística: sua subjetividade. "A minha personalidade, as minhas simpatias e antipatias, o meu repertório ideal e a minha encenação ideal não se refletiram no processo crítico? Mentiria se dissesse que não. Buscava a objetividade, fugia quanto me era possível de implicâncias, de preconceitos humanos e artísticos, mas sabendo que no fundo, bem no fundo, as minhas opções não escapavam ao pessoal", escreveu Almeida Prado, em 1987.
Como movimento artístico, o impressionismo nasceu na França nas últimas duas décadas do século 19 e tentou utilizar uma representação mais verossímil da cor e do tom, possuindo em Monet e Renoir alguns de seus mais proeminentes representantes nas artes plásticas. Quanto ao uso do termo para designar uma corrente crítica, encontramos em Ferdinand Brutinetière um primeiro exemplo, em 1879, no ensaio chamado L'impressionisme dans le roman. Mas, foram três nomes que deram contornos mais claros à crítica impressionista: Anatole France, Jules Lemaître e Remy de Gourmont. A intenção deles era restringir a análise crítica ao efeito que a obra tem sobre o observador/leitor, fazendo com que o gosto de cada pessoa fosse o responsável pelo juízo a ser feito em relação à obra.
É importante ressaltar que o espaço da crítica subjetiva/impressionista é principalmente os meios de comunicação, aí também é válido citar os instrumentos virtuais, já que a crítica realizada nos meios acadêmicos se utiliza das mais variadas correntes de pensamento. "A crítica de teatro tinha que ser impressionista, porque ela é uma resposta imediata. Vem um estímulo e você reage... Eu reajo como público, como o público reage. Quer dizer, eu vejo e penso e faço um esforço para dizer aquilo em que eu estou pensando. A crítica jornalística não pode ser outra coisa, eu acho", escreveu Almeida Prado em O Percevejo (pág. 73)
O crítico, assim como os artistas que compõem uma obra cênica, cumpre um papel. E, como cada um dos envolvidos nesta trama teatral há possibilidade de toda a sorte de acertos e de fenomenais equívocos. Mas, como em qualquer diálogo salutar que pretenda se manter desta forma _ e a crítica é a revelação do olhar de um espectador sobre o objeto artístico _ é necessário que as armas sejam colocadas sobre a mesa. No espetáculo não há o que esconder além do urdimento. Texto, atores, direção, cenografia e figurino estão expostos ao público, seja ele especializado ou não. É justo que em contrapartida os criticados possam ver com quais instrumentos estão sendo analisados. Para que se mantenha uma relação de confiabilidade, pois creio que qualquer crítico almeje ser lido e ouvido, é necessário clareza e seriedade. E, pedir que o dono da subjetividade exposta se revele não seria demais. Afinal, se crê que a relação crítico/criticado e todos os resultados obtidos desta conversa teatral sejam da maior importância para os envolvidos.
O pedido de aparição não é invalidar o que vê a pessoa que se esconde atrás de suas críticas, muito menos pedir que apenas acadêmicos com inúmeras titulações teçam análises. Até porque a possibilidade de visões sobre o teatro é tão vasta quanto a quantidade de pessoas que se colocou a observá-lo e está apto a escrever sobre o assunto quem gosta de teatro e quem tem vontade de mostrar suas análises. Assistir teatro, discutir teatro é real e necessário. Um crítico ficcional não diz ao que veio, ainda mais se vivemos em um Estado onde a produção teatral se ressente da falta de diálogo crítico. Mas, a discussão em torno da aparição de Aline Valim resultou, pelo menos, em um excelente debate em torno do esquecido teatro catarinense.


Janine Koneski de Abreu, graduada em Jornalismo, especialista e mestre em Teatro, autora da dissertação O Diabo são Os Outros e A Relação de Crítico e Criticado em Três Momentos Históricos do Teatro Brasileiro

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